Brasil garante competitividade e lucratividade para a Scania

Escrito em 29/11/2018
Sergio Cury

Na semana passada, Henrik Henriksson, presidente mundial da Scania, passou um dia numa aprazível praia do Guarujá, no litoral paulista. Ali ele apresentou a concessionários e frotistas a nova geração de caminhões da marca, que segue o padrão do que a montadora produz na Suécia, França e Holanda. Isso garante que a fábrica de São Bernardo do Campo (SP) continue a ser uma importante base exportadora para mercados exigentes como a Europa. Este ano, a Scania vai exportar 63% do que produz na fábrica do ABC.

Na contramão do que a maioria dos executivos desse e outros setores reclamam, Henriksson diz que o Brasil é competitivo, sim, e que, por isso a Scania está no país. Segundo o executivo, que assumiu o cargo em janeiro de 2016, a mão de obra brasileira é habilidosa e os fornecedores de componentes oferecem produtos de qualidade. Segundo ele, a operação na região é lucrativa há pelo menos dez anos.

Nem mesmo a oscilação cambial, motivo de constantes queixas de exportadores, atrapalha a Scania. Se a empresa perde na exportação por um lado, por outro ganha na importação. "Nas últimas semanas a valorização do real nos ajudou a importar", destaca.

Mas a instabilidade econômica não prejudica os negócios? "Ao contrário", responde prontamente o executivo sueco. Os altos e baixos de cada mercado servem para guiar a estratégia de produção da montadora. Um cenário adverso aqui leva ao deslocamento da produção para outras fábricas do mundo e vice-versa.  Afinal, o produto é o mesmo.

Segundo Henriksson, o segredo dessa tranquilidade na companhia é fabricar produtos com um único padrão de qualidade internacional. O evento no Guarujá marcou a adesão da filial brasileira à drástica renovação mundial na linha de produtos, que levará para as estradas de todo o mundo caminhões preparados para permitir que o mesmo veículo receba diferentes opções energéticas, que vão do biodiesel e baterias até veículo autônomo. A modernização faz parte do programa de investimentos de R$ 2,6 bilhões, que será concluído em 2020,

Graças à exportação, a Scania não sofreu com a crise. No ano passado, enquanto outros fabricantes de caminhões cortavam turnos e demitiam a Scania mantinha o ritmo para atender aos contratos de exportação de caminhões e ônibus para América, África e alguns países da Europa. O maior contrato é com a Rússia. As vendas externas chegaram a absorver 70% da produção durante a crise. Agora, com a recuperação do mercado interno a fatia baixou para 63%.

No decorrer da semana, ao regressar à fábrica de São Bernardo, onde recebeu o Valor, Henriksson estava animado com as notícias que recebeu dos frotistas e concessionários que encontrou no Guarujá. Veio contente da conversa com os frotistas. "Eles se mostraram otimistas com as perspectivas econômicas pós-eleição; principalmente no agronegócio", disse.

Graduado na área de administração, aos 58 anos Henriksson é o primeiro executivo a assumir o comando mundial da Scania sem formação em engenharia. Ao ingressar na empresa, em 1996, recebeu tarefas que nada tinham a ver com o que aprendera na faculdade. O treinamento em Södertälje, sede da Scania, a cerca de 30 quilômetros de Estocolmo, foi na oficina de uma concessionária que pertencia à montadora. Ele lembra como a mãe lamentava ver o filho recém-formado mexendo na graxa.

O aprendizado o ajudou, mais tarde, a trabalhar na área comercial. Antes de assumir a presidência mundial, Henriksson morou em Johanesburgo, onde comandou as operações na África.



A subsidiária brasileira sempre teve posição de destaque dentro da companhia. Segundo Henriksson, a operação em São Bernardo, que no ano passado completou 60 anos, tem a mesma importância da matriz, na Suécia, e da Holanda e França, onde a montadora também tem fábricas. A Scania faz parte do grupo Volkswagen, que acaba de criar um novo nome para as marcas de caminhões - Traton. A empresa não revela o faturamento na América Latina.

Henriksson diz que sustentabilidade passou a ser uma questão muito séria no setor de transportes e que as empresas que não se enquadrarem nos padrões exigidos pela mudança climática não vão sobreviver. "As próximas gerações não vão querer comprar produtos, investir ou mesmo trabalhar numa empresa que não for sustentável", destaca.

O executivo diz que as preocupações dos transportadores com eficiência e também com sustentabilidade têm rejuvenescido a frota na Europa. Ele calcula que hoje os caminhões que rodam no continente têm, em média, quatro a cinco anos. A média dos que trafegam pelas estradas brasileiras é de 17 anos.

Segundo ele, com a nova geração de caminhões, a Scania deixa de ser uma montadora de veículos para tornar-se uma empresa de soluções. "Por mais que as ferramentas digitais avancem o comprador de um caminhão só vai se convencer de que está fazendo um bom negócio quando lhe mostrarmos as contas, num papel, numa conversa olhos nos olhos", destaca.

Na Europa, diz, o maior problema no transporte rodoviário, hoje, é a falta de motoristas. "Ninguém quer mais um trabalho que o deixa dias longe da família". A Scania se prepara, diz, para, por meio da conectividade, facilitar o revezamento de motoristas por região. "Além disso, temos que tornar os caminhões cada vez mais confortáveis", destaca.

Quanto à mãe de Henriksson, depois do susto inicial, a evolução da carreira do filho a deixa satisfeita. Prestes a embarcar de volta para casa, na quinta-feira, o executivo já pensava no domingo, quando ele e a mãe planejavam preparar o "svartsoppa", um ensopado de ganso, prato típico servido no sul da Suécia no início do inverno.

 

Fonte: www.valor.com.br