“Nós somos a mulher do futuro”

Escrito em 06/04/2022


Claudia Oliveira Pinto é Gerente Geral de Vendas da Conterrânea, a Casa Scania localizada em Fortaleza, no Ceará. Goiana de nascença, cearense de coração e mãe de duas filhas, essa jovem de 53 anos é ainda avó de duas meninas e diz que tem mais uma neta a caminho. Cercada de mulheres, dona de uma energia contagiante, uma voz que impacta e uma risada que quem ouve não consegue deixar de rir junto, é ela também quem comanda as equipes de vendas das concessionárias do Grupo no Ceará e no Rio Grande do Norte. São 15 pessoas – sete mulheres e nove homens - sob a sua gestão e uma carteira inteira de clientes que contam com a sua expertise quando o assunto é caminhão.

E põe expertise nisso: lá se vão 30 anos de atuação no setor de transportes. Na Scania desde 2014, Claudia conta que, no início, alguns clientes duvidaram de sua capacidade e conhecimento. “Cheguei a ter cliente que não queria ser atendido por mim por eu ser mulher. Alguns ficavam me testando para ver se eu, de fato, conhecia de caminhão. Faziam perguntas mais técnicas e eu, claro, respondia todas. Foi bem difícil no começo, ainda existe muito do machismo e da falsa crença de que não dá certo mulher vendendo caminhão ou administrando homem. Mas aos poucos fui conquistando meu lugar, mostrei minha capacidade e eles mesmos acabaram ajudando a me colocar nessa posição. Hoje a fala já é diferente. Eles dizem: ‘pede para aquela loira da Conterrânea que ela entende tudo de caminhão’”, conta Claudia.

E entende mesmo! De caminhão, de gestão e do papel da mulher como agente transformador nos dias de hoje – e principalmente em um setor ainda predominantemente masculino. Confira mais detalhes dessas experiências e vivências nesta entrevista exclusiva e inspire-se você também:

Como e quando você começou a trabalhar no setor de transportes? E como foi a sua chegada à Scania?

Eu comecei no ramo de caminhões quando tinha 23 anos. São 30 anos atuando no setor. Trabalhei muitos anos em outra marca e só em 2014 conheci a Scania. Nessa época, eu tinha acabado de voltar para o Brasil depois de morar nos Estados Unidos para fazer um curso extra de imersão de inglês e havia decidido que faria um “ano sabático”. Fui a São Luiz, no Maranhão, visitar minha irmã que mora na cidade. Acabei conhecendo uma das amigas dela, que é esposa de um dos sócios da Alfa, a revenda da Scania na região. Ela comentou comigo que eles estavam precisando de uma pessoa para assumir a gerência das Casas, três no Maranhão e uma no Piauí. Eu confesso que não queria, já vinha de muitos anos atuando com caminhões, mesmo assim fui lá conversar com os donos da empresa. Quando eles me apresentaram a Scania, fiquei encantada. E assim comecei minha jornada na marca. Fiquei de 2014 a agosto de 2019 na Alfa, quando a concessão foi vendida. O Adriano Ventura, que é meu chefe hoje, me chamou para uma entrevista aqui em Fortaleza, onde eu moro. Gostei da proposta, do desafio e aqui estou desde então. No começo foi bem complicado, tive que ter um pulso mais firme e mostrar que entendia para valer desse mercado. Mas essa adrenalina do dia a dia com o caminhão me fazia falta.

“Nós somos a mulher do futuro e precisamos pensar daqui pra frente. Já passou da hora de pararmos de olhar para aquelas mulheres que queimaram sutiã. Se não fizermos isso, estaremos sempre enxergando a vida em preto e branco. A mulher cresceu e precisa entender que tem espaço para ela ser e estar onde ela quiser. E ao trabalhar onde só o homem estava atuando, isso também é fazer a diferença.”

Claudia Oliveira Pinto, Gerente Geral de Vendas da Casa Scania Conterrânea

Como foi para você, ao chegar, liderar uma equipe essencialmente composta por homens?

Para começar, eu confesso que sou muito chata. E aceito que sou chata numa boa. Já vi muita coisa nessa vida dar certo e dar errado. E é o que falo para os meninos. Eu cheguei e fui aceitando as colocações das pessoas. Você não pode chegar num lugar que não é o seu e colocar a sua forma de pensar, precisa aprender primeiro. Você aprende e entende o que as pessoas acreditam e esse é o único jeito de fazer a mudança. Aprenda primeiro e mude depois. Fiz isso em todas as minhas equipes e tenho certeza de que formei excelentes profissionais ao longo do caminho. Mas também sempre coloquei mulher nas minhas equipes para, inclusive, quebrar essa barreira do preconceito de que mulher não pode vender caminhão - e normalmente vendem melhor do que os homens. Aqui na Conterrânea já iniciamos este processo. Fui conhecendo a equipe, entendendo como pensavam, aprendendo com eles. E trazendo mais mulheres para o time sempre que surge uma oportunidade.

Como é ser mulher neste setor em que a presença masculina ainda é tão predominante?

Por ser mulher e estar em um ambiente meramente masculino é quase determinante que você seja masculinizada e isso não é uma verdade. Eu uso salto, faço escova, faço maquiagem. O fato de ser mulher não me tira em nada a delicadeza e a competência, pelo contrário. Posso mostrar que sou muito boa no que faço. O que não quero é perder a delicadeza. E digo mais: às vezes é ótimo ser mulher nesse meio e usar as artimanhas da sabedoria feminina para liderar ou vender. Basta saber onde e como se colocar. O setor vai ser eternamente um mundo muito mais masculino. Mas a nossa presença, organização, atenção aos detalhes e delicadeza seguirão transformando o segmento.

Quais são os principais desafios de ser mulher neste setor?

Acredito que é quando estamos em campo. Você não pode ser muito espontânea que a confusão se faz. Não tem jeito, os homens ficam naquela de “será que ela é assim ou está me dando mole?”. Essa é a pior parte de ser mulher. Estamos ali comercializando como qualquer homem. É o que digo para as mulheres da minha equipe: vocês estão ali representando uma marca e um produto. É a única coisa que está à venda. Você pode rir, ser agradável, mas nunca permitir que confundam liberdade com libertinagem.

Na sua opinião, ainda existe muito preconceito? Ou o cenário tem melhorado?

Ainda existe o preconceito, mas já melhorou muito. A primeira geração, que era a de quando eu comecei, de grandes empresários e transportadores, mudou. Agora já é a geração dos filhos, começam a chegar os netos também para a gestão dessas empresas. As gerações estão mudando e essa turma mais nova é mais cabeça aberta, não olha para você como gênero masculino e feminino, não com estereótipo, mas olha se você é eficiente no que faz. E se você mostrar que é eficiente, prefere tratar com você. Percebo essa mudança. Para as motoristas também é um outro momento. Os homens aceitam melhor e são muito mais delicados hoje com as mulheres ao volante. Eu faço questão, inclusive, de celebrar sempre que chega uma mulher motorista aqui na concessionária. Sou a primeira a chamar para almoçar, conversar e parabenizar pelo trabalho. Fico mesmo muito orgulhosa de ver o brilho do trabalho delas na estrada e faço festa! Nós, mulheres, estamos onde merecemos.

O que você acha que falta para mudar de vez essa questão do preconceito e a mulher evoluir cada vez mais na sociedade?

Acho que falta nós, mulheres, pararmos de julgar umas às outras. Falta entendermos que somos boas no que podemos e no que nos determinamos a ser boas. Somos boas, somos ótimas, em tudo aquilo que queremos ser. É questão de determinação. E o que impede isso, e muitas vezes até aumenta o preconceito, são as próprias mulheres. Mulher costuma sabotar outra mulher. Sempre tem uma amiga, uma mãe ou alguém que não passou por aquela vivência que diz: “você não pode fazer isso”. Nós crescemos e evoluímos muito. Foi muito bom o que fizeram para estarmos onde estamos, mas precisamos parar de ver o passado e ver o futuro. Nós somos a mulher do futuro e precisamos pensar daqui pra frente. Já passou da hora de pararmos de olhar para aquelas mulheres que queimaram sutiã. Se não fizermos isso, estaremos sempre enxergando a vida em preto e branco. A mulher cresceu e precisa entender que tem espaço para ela ser e estar onde ela quiser. E ao trabalhar onde só o homem estava atuando, isso também é fazer a diferença. Aqui na Scania vi muito isso acontecer. Vi mulheres crescendo, alcançando cargos de liderança, mostrando toda a sua competência no segmento. É um orgulho imenso ver isso acontecer e muito bonito saber que fiz e faço parte dessa mudança desde o meu começo no setor de transportes.

Para chegar até aqui, você certamente se inspirou em outras grandes mulheres. Quem foram e quem são elas?

Piegas ou não, minha mãe é uma grande mulher. Ela foi a primeira a me dizer: “não para! Ninguém pode ser parado se não quiser parar”. Minhas duas filhas também são duas mulheres que me enchem de orgulho, principalmente por saber que eu contribuí para a formação delas. Elas são espetaculares. São as mulheres da minha vida!

Fonte: Site Jornada Scania (https://jornadascania.com.br/)